ANSIEDADE.REVERIE
The Melodies
28.05.2021
When I am scared, I sing. I sing long songs I make up in my head, that are a mixture of songs I know and what I hear inside my brain. There is always this pressure in my skull that sometimes makes my right ear blow like a sub-woofer in the rhythm of my heart. This is actually pretty (almost) interesting because it feels like I am in a party of my own body (my guts are throwing the best techno party ever!). But still, it’s freaking scary.
Singing makes me relax (a bit). I don’t know if it’s the vibration that keeps me occupied (it’s like my vocal chords would suffer from restless leg syndrome) or if it’s the feeling of expressing my fears through what people would call “beautiful”.
When fear triggers my anxiety, I can be a burden to the people who are close to me, so I imagine the least I can do for them is to transform my fears into something pretty. And maybe they won’t even realize that the melody comes from being scared. As I also hate being vulnerable in front of people, this is also a plus: music as my armor.
The Clock
19.06.2021
There is the pounding heart again. I ask my friends around the room if they can also feel it, but I have no answer. They are all static, just there, sitting in chairs, in a circle, not moving, without even breathing. For a moment I get scared, but then I remember they are just the very realistic puppets I bought in the fleamarket years ago.
Every time I look at or talk to them, I get reminded that I will always be alone. I actually bought them to make me company. I have no mother, no father, no family. No partners, no colleagues, no acquaintances. Even the lady at the bakery doesn’t see me. I always stand in line and ask for bread when it’s my turn, but she skips me and talks straight to the person behind me. I find it strange, but at this point I am just used to it. So every morning I go back there just for the feeling of possibly existing. Now I leave right before she starts talking to the next person. This part is still very frustrating.
Today I served tea to all my friends, still sitting in the same chairs, in a circle in my room. Maria has her head a bit broken, I have to fix her later. One day I dropped her. She got very upset because the fall opened a crack in the middle of her right cheek. She is very careful with her appearance so you can imagine how angry she was. She is still not talking to me, but even with her bad mood and incapacity of forgiving me - which is only reserved to humans - for such a bad accident, I still change her clothes every day as she likes.
On monday, she told me “Laura, do you feel that?” to which I replied “feel what?”.
“The passage of time”, she said. That got me thinking about it, so I sat on the couch, grabbed a book called “From Here to Eternity” and started reading about how people from different cultures make their death rituals. And then it hit me: maybe I’m dead!
So I asked Maria again: “hey, how do you feel time? I can’t actually feel it.”
And then she started saying the words that would change my existence forever: “I don’t feel it, I just know it exists. I got used to it. You move me, you feel me, you dress me. Every one of those actions take some time, as I learned. So I get my notebook and write down how many dots of the clock it took you to do all of this. And then I look at it, and then I just know time passed by. In the end we are all just sitting here, quiet, observing, doing things we don’t actually have to do, but we do it because we are used to. And we think time is passing by, when actually it’s just different dots of different clocks moving all together.”
I went to bed that night thinking about it. I meditated on it. I prayed to all of the gods and goddesses I knew of, and asked for guidance. I was so confused. Am I dead? How come I could not feel time passing by? Is this maybe the reason why no one can see me? Am I not existing in the same time as everyone else? Why does Maria know how to measure it, and I don’t? Maybe I should start doing what she does.
So then I grabbed a notebook from the third drawer of the grey metal chest in my room, a pen from the office desk, sat in front of the clock, and started counting.
Right on the left side of the clock there is a mirror. I used to get dressed everyday looking at it, admiring my body, and how the black clothes would contrast so well with my skin. It has been a long time since I saw myself in it, so I decided to take my eyes away from the clock for a second to check myself again.
When I looked towards the mirror, It was then that I realized: I didn’t exist anymore.
A Agulha.
21.06.2021.
A agulha vai entrando devagar bem no meio da minha axila esquerda. Eu queria que fosse uma tatuagem de uma granada preta, mas não sei porque ele está usando só uma agulha e colocando ela assim tão fundo. A tatuagem tem que ficar na segunda camada da pele e se for tão fundo assim machuca, estoura o traço, um horror.
A agulha vai entrando cada vez mais, mas de alguma forma eu não sinto dor. Só observo. Agora já são quase uns três ou quatro centímetros e mais uns seis ou sete pra entrar tudo.
Ele disse que isso é pra liberar a pressão do meu pulmão antes da gente começar. Bem que nestes últimos tempos tenho sentido ele meio apertado, claustrofóbico. Ele precisa sair de dentro da caixa toráxica pra respirar um pouco de vez em quando e já faz uns dois anos que eu não tiro ele de lá pra passear aqui fora.
Me desculpa, pulmão. Eu sei que você fica impaciente. É que agora tem tanta coisa acontecendo na minha vida, que eu acabo esquecendo que você precisa respirar. Eu sei que estar aqui te cansa e que você precisa de novos ares de tempos em tempos. É só que agora tá difícil, não dá pra viajar, não dá pra abrir o tórax. Tenho que proteger os meus órgãos caso algo de ruim aconteça - e olha que tem muita coisa ruim acontecendo por fora e por dentro e com todo mundo. Todo o mundo.
Fico com medo de perder meu fígado, como meu pai perdeu, fico com medo dele apodrecer e cair. Mas na real o fígado, como alguns outros órgãos não ficam protegidos por uma estrutura óssea como o coração ou o pulmão. Eles ficam soltos, poderosos porém vulneráveis. Eu sei como é se sentir assim, fígado. Muitas vezes eu queria também estar protegida por uma caixa toráxica, intocável, muitas camadas de pele, gordura, músculo e osso até chegar em mim. Mas na real, estou aqui, um fígado solto no canto da barriga, vulnerável a qualquer instrumento afiado que corte pelas camadas.
A gente precisa de osso pra ter estrutura. Precisa levantar da cama todos os dias, comer e começar a trabalhar. Fico pensando nas pessoas que não têm osso. Será que elas se sentem mais fortalecidas por serem mais vulneráveis? Serão elas de fato mais vulneráveis?
Não sei…
A agulha agora está a uns sete ou oito centímetros pra dentro da minha axila. Olho pra ele com medo. Ele me olha de volta com um olhar acolhedor, porém duro, como quem quer dizer: “eu sei que está doendo, mas isso vai ter que acontecer, você sabe”. Meu pai fazia muito isso, mas olha onde deu. Teve uma vez quando eu era criança, estava brincando na rua com minhes amigues, caí feio e abri o joelho no asfalto. Ardeu, sangrou, fiquei com medo. Corri pra dentro de casa procurando minha mãe, mas só encontrei meu pai. Ele me sentou do lado dele no sofá e disse, sério: “sente a dor. Quanto está doendo?” e eu disse chorando “muito!”. “Muito mesmo? Sente de novo, presta atenção na dor.”
Pausa.
“Ainda está doendo muito?”. “Não”, eu respondi, tentando engolir o choro. “Ótimo. Agora volta lá pra fora e continua brincando”.
Depois disso, eu sempre aceitei as agulhas gigantes da vida. Tá doendo muito? Presta atenção, aceita e segue. Mas pai, nem sempre é assim. Às vezes a gente precisa estar dentro de um tórax para se sentir um pouco melhor. Não dá pra viver só solta na barriga, tem que ter um equilíbrio.
Mas eu não te julgo, eu sei que você também não teve estrutura. Teve seus ossos, pontiagudos, duros, todos quebrados, estilhaçados por dentro do corpo, mil agulhas de dentro pra fora. Até que um dia elas foram todas pra tua cabeça, se misturaram com trinta e seis anos de álcool, alcançaram seu fígado, perfuraram teu cérebro e você morreu. Tudo bem, não te culpo mais, é só uma questão de onde você nasceu: dentro ou fora do tórax. O que veio depois foi consequência.
A agulha para de entrar no décimo centímetro. Ele pergunta: “como você está? Ainda sente a pressão?” Então eu foco na respiração, estou com medo, quase tremendo, mas junto minhas forças, concentro e pergunto pro meu pulmão como ele está, mas ouço nada. Ele dorme profundamente, um sono gostoso tranquilo, inspirando oxigênio e expirando gás carbônico como tem que ser. Tudo está só normal.
“A pressão sumiu”, eu digo. “Acho que ele está finalmente dormindo” e faço um gesto para que fiquemos em silêncio.
Ele olha ternamente dentro do meu cérebro através dos meus olhos, dá um sorriso acolhedor, aperta o pedal e começa a tatuar.
The Mirror.
21.01.2021
I have this chest pressure again as I write. In the end the underarm needle kind of worked just for a moment, but now I feel it all over again, and even more intense. The scarce wind from the small fan hits my legs, and I feel nothing. My body is blank, my blood stopped flowing, and I am slowly fading away. I can see my hands losing color and becoming transparent, I can see inside them, the muscles and tissues turning to grey, then hard, breaking into pieces and vanishing into my blood stream, which now is just a pale milky white paste.
Same thing starts happening to my arms and suddenly, I am just a torso sitting in front of the computer. I’m scared. I still have one eyeball hanging from the muscle and - unfortunately - it can still see it all.
It takes me a while, but I still can stand up to look at myself in the mirror. I have my legs though, but both of them are only barks of dark rotten bone - kind of like the ones I saw when they exhumated my father’s body. I have to concentrate to walk, because if I put a lot of weight or impact on them, they will shatter and I’ll be left on my bedroom floor all alone, waiting for my last eye to shut off, so I don’t have to see it happening. Sad thing to watch yourself disappear...
I reach the mirror and what I see is horrific: I no longer have skin, all of it disappeared. I am a half human rotten grey muscle sculpture, waiting to be thrown in a wooden box, somewhere in the woods, and be left there until I become moss.
I never thought something like this could happen. How come am I still alive? I should be gone by now, I have no more heart to beat, no more brain to think, no more fingers to type. I am only a piece of soul floating in this bedroom, looking at the walls, remembering how good it was when I could still make all these drawings. I was happy, but didn’t realize it. Now that I am just a lost soul, I miss it. I promise, if I ever come back to this room with a body, I will never complain about the weather again. I will never say “it’s too hot for me, I will stay inside”. No. I will put on my bikinis, cover my body in sunscreen, grab a towel, water and snacks, open the door, step out of the house, take a deep breath in, and smile, because I will be alive.
O Tempo.
12.07.2021
Subi as escadas do centro de imigração correndo, sabendo que dez minutos adiantada é a mesma coisa que estar atrasada neste lugar. Que engraçada essa relação que seres humanos têm com o tempo. Cheguei na sala de espera e meu número já estava lá e ao do lado: sala 225. Faltavam ainda sete minutos para o meu agendamento, achei estranho, mas me dirigi eu fui até a sala mesmo assim: trancada. Bati na porta, tentei abrir, nada. Perguntei a uma mulher que trabalhava lá o que estava acontecendo e ela fechou a porta da sala dizendo: “não posso te ajudar”. Voltei para a recepção para checar se era meu número mesmo. Era. Aí eu fui de novo lá para a sala, bati na porta de novo e ninguém abriu. A esta hora já tinha passado dois minutos além do meu agendamento e eu já estava ficando desesperada sem entender o que tava acontecendo. É importante dizer que neste lugar não é comum ter uma segunda chance.
Uma pessoa aparece desfilando no final do corredor em direção à sala 225 com uma caneca de café na mão, e fala alto meu sobrenome num tom de bronquinha muito usado aqui para policiar pessoas no dia-a-dia: “A senhora está atrasada”.
Pausa.
Minha cabeça começa a ferver, ela aumenta de tamanho, meus olhos pulam pra fora da cavidade ocular e saem rolando pelo chão. As folhas infinitas de documentos caem das minhas mãos e voam rodopiando pelo corredor cortando todo mundo cortes fininhos e ardidos.
O céu lá fora está nublado, o ar abafado e o suor impossível de conter. Abaixo para tentar encontrar meus olhos, mas eles já saíram do prédio. Neste momento, a raiva é tanta que eu não os julgo por terem fugido à primeira oportunidade. Eu também teria feito isso se não fossem os meus pés grudados no chão do corredor, como se estivessem concretados ali na fundação do prédio desde sempre. Tento movê-los sem sucesso, então lembro de respirar. Coloco o que sobrou das minhas mãos sobre o peito e o empurro para baixo e para cima para lembrá-lo de mexer. Ele começa então a mostrar sinal de vida e finalmente oxigena um pouco minha cabeça que diminui de tamanho evitando a explosão completa.
Então agacho e começo a chorar num movimento desesperado de colocar toda a água de dentro do meu corpo pra fora. Como meus olhos a este momento já devem estar no metrô voltando pra casa, as cavidades oculares vazias se enchem de água e derramam meu choro como uma cachoeira pelos corredores daquele lugar cinza.
Todas as pessoas que estavam ali esperando fugiram do prédio quando foram machucadas pelas minhas folhas e documentos. Ninguém quer estar lá. O suposto tempo vai passando, a água jorrando das minhas cavidades e inundando os corredores e salas e a pessoa continua parada segurando seu café.
De repente, não sobrou mais nada dentro de mim - fluidos, oxigênio, dignidade. Tateio as paredes até onde consigo com os pés presos no chão, encontro os pés da pessoa. Levanto minha cabeça numa tentativa frustrada de olhar para ela e pedir ajuda, me sinto humilhada, mas não consigo falar. Minha língua foi junto com meu choro.
Eu fiquei pequena, menor do que já sou. Virei uma bolinha de carne ensopada naquele mar de fluidos frustrados. Então a pessoa olha pra baixo, pula por cima de mim, abre a porta da sala e diz: "Entra, vamos começar".
The Great Feeling.
01.07.2021
It’s a great feeling to be drunk. To be drunk in that exact point that you are still functioning, but a bit out of reality. Just a tiny bit. This specific bit that is what keeps you trapped into anxiety, panick, and other bad feelings this world give us.
It’s a great feeling to be drunk. To be drunk in that exact point that you don’t have to think to much about things. That exact point where you just feel it. The turning point in between racionalizing it and feeling it.
It’s a great feeling to be drunk. To be drunk in that exact point when you listen to the music and the person talking about it, and you just nod and pretend you understand, but actually, you are too numb to make the conections they are making. You are too numb to keep up the speed, but you are also very aware that they are happy, and satisfied, and they want to share this with you, and you are loving them back for it.
It’s a great feeling to be drunk. To be drunk in that exact point when you just feel the joy of others and you are able to feel it too, when they tell you about how happy they are, or when they tell you stories of what happen in their day, their teacher told them they are great, the other parents told them they are pretty, and very well educated.
It’s a great feeling to be drunk. To be drunk in that exact point when you feel your body can turn into clouds at any moment, and just go out of the opened window, rise to the skies, and just keep going, forever, watching the sunset from the vip area. To be finally free.
It’s a great feeling to be drunk.
It’s
A
Great
Feeling
To
Be
Drunk.
To be drunk and having the automatic corrector of the computer correcting every time you miss a capslock letter in the beginning of a sentence. To have your wife correcting every step you take. Like the songs says, she’ll be watching you. You’re good, they are all watching you. They will catch you if you fall. They will be there for you. (all of them, mobilized just to save you.)
It’s a great feeling to be drunk. To be drunk in that exact point when you are still able to realize that you are doing something wrong with your life, but also you are not able to feel it. You are numb, and that is just fucking amazing. The hands feel a bit slower, but not so slow that you cannot type. The head feels a bit heavy, but not so heavy that you have to go to sleep. On the contrary, you are wide awake and feeling like thinking. Thinking about the dream you had last night about your mother trying to hit you, and you hitting her back saying “You cannot hit me, I’m not a child anymore”.
It’s a great feeling to be drunk. To be drunk in that exact point where people start finding out you are drunk. Wait. This is not a good feeling. I’m gonna stop writing now.